sábado, 15 de fevereiro de 2014

UM DEFENSOR DO SERTÃO


Neste folheto que escrevo

Chamo sua atenção

Pra falar de um sertanejo

Que adora seu torrão

Já avançado na idade

Não morava na cidade

Devido à evolução.



Era aquele homem puro

Não conhecia maldade

Só lavrava a terra bruta

Pra sua felicidade

Conhecendo seu limite

Seu patrão faz um convite:

- Vamos morar na cidade!



Disse aquele sertanejo:

- Desculpe meu bom patrão!

Eu nasci nesta fazenda

Só conheço o que é sertão

É fraco meu linguajá

Eu não vou acompanhar

Essa tal evolução.



- Doutor eu vou lhe falar

Eu não sei o que é cd

Não sei o que é telefone

Microondas, DVD

Televisão, batedeira

Rack, sofá, geladeira

Nunca vi nem quero ver.



- Supermercado eu não conheço

Nem panela de pressão

Não sei o que é edifício,

Armário com arrumação;

Nunca fui em um cinema

Não entendo esse esquema

Que não tem no meu Sertão.



Eu nunca fui à escola

Não sei ler nem escrever.

Na cidade é tudo escrito

Não conseguirei viver,

Meu patrão parece insulto,

Pra onde vai esse matuto

Sem saber se defender?



É muita modernidade

Poucas coisas eu conheço,

Eu fui criado na roça

Aqui acolá ia um terço;

O lápis foi minha enxada

A lavoura a tabuada,

Que eu morro e não esqueço.



Doutor eu sei o que é:

Rádio de pilha, vitrola,

Budega, venda, LP

E o som de uma viola,

Panela de barro e quengo,

Com agente não tem dengo,

Nunca neguei uma esmola.



Eu sei o que é pitisqueiro,

Tamborete e cristaleira,

Banca, fogão de lenha,

Chapéu de palha, peneira,

Caco de torrar café

Uma cabana de sapé,

E cesta de fazer feira.


Conheço carro de boi,

Canga, cultivador,

Ancoreta, chapéu de palha,

Prato de barro e socador.

Cuia, abano e cabaço,

Sei pegar boi no laço,

Faço isto com amor.



Eu sei o que é cangalha

E o ferro de engomar,

Enxada e enxadeco,

Chibanca de trabalhar

Sei o que é chincho e pilão,

Lamparina e lampião

Pra noite iluminar.



Eu conheço de terreno,

Vassourinha e oitão,

Rosário, novena e terço

Com o padre Frei Damião

Sei o que é casa de farinha,

Rapa de angico e cabacinha,

Cuscuzeira e caldeirão.



Por aqui ainda existe

Cuia de medir farinha,

A cadeira de balanço,

Chiqueiro de bacorinha

Fumo de rolo e chaleira,

Gaiola e assadeira

E chiqueiro de galinha.



Espeto de assar carne,

Pinhão roxo e pé de pinha,

Cabaça, pote e mochila,

Espingarda, faca e bainha,

Cuia, chocalho e tigela

Colher de pau e gamela,

Balaio, mala e sombrinha.


Eu sei doutor fazer rancho,

E tirar leite de vaca,

Sei amansar touro bravo,

Pegar bode e amolar faca.

Fazer cachimbo e batente,

Tramela e matar serpente,

E pegar mula veaca.



Eu sei o que é banguê

Relógio de algibeira

Tanajura, “sarapaté”

Cortiço, carvoeira.

Debulhar milho e feijão

Sei o que é panha de algodão

Cigarro de palha e fosqueira.



Preguissadeira e bisqui,

Ferro de cova e caçuá

Cama de couro e “deposo”

E pirão de aruá

Som da viola de pinho,

Vereda, estrada e caminho

E corda de caroá.



Doutor eu faço porteira

Faço cerca e boqueirão

Broco mato e encoivaro

Cavo poço e cacimbão

Eu sei fazer carvoeira

Vassoura de palha e peneira,

“Borná”, bisaco e pião.


Ferro de cova, fogareiro,

Grelha, pinico, cambito

Banha de porco e funil,

Sela, canganhote e apito

Pra o caçador chamar inhambu

Chupar mel de capuxu

Em tudo isto eu reflito.


Bredo, limão e castanha,

Ralo e coco catolé

Pedra de fazer biju

Caco de torrar café

O trinchete e a roçadeira,

Colher de pau e chaleira,

E cabaça de coité.



A comida aqui da gente,

É feijão com carne assada,

Fava, angu e pamonha,

Macaxeira e feijoada,

Batata, cuscuz e farinha,

Carne de porco e galinha,

Milho cozido e coalhada.



Aqui podemos comer:

Ovo, rolinha, preá;

Teju, peba, guaru,

Canjica, munguzá,

Farina de milho, pipoca,

Beiju, farofa e tapioca

E ponche de maracujá.



Aqui chupamos cajá,

Manga, jaca, e umbu

Cajarana e graviola,

Mamão, pinha e caju,

Goiaba, lima e banana

Laranja, melão e cana

Do sertão ao Pajeú.



Podemos comer jerimum,

Melancia, meloa,

Cará, melão e maxixe

E uma quiabada boa,

Batata-doce com nata

Ovo de guiné e pata,

Que o Sertão a gente doa.



A música que agente escuta

É o repente e a canção

Não perdemos cantorias

Do Tião Lima com Galvão

Escuto Zé Laurentino.

Com seu poema divino,

Recitando meu Sertão.


As festas que eu conheço

É o forró de latada,

Cantoria, pastoril,

Ciranda, vaquejada,

Argolinha, coco e babal,

Novena, missa e sarau

Batizado e uma tourada.



O meu livro é o folheto

Xilogravado em papel,

Que eu compro lá na feira,

O povo chama cordel,

Ele mostra a trajetória,

Contando fato e a história

De um ponto forte e fiel.



Os heróis da nossa gente,

É Virgulino Lampião

Vitalino e Padre Cícero,

E o padre Frei Damião.

E o Jackson do Pandeiro,

E o Vate Pinto de Monteiro,

E o Gonzaga rei do Baião.



Cantadores de viola

São os artistas da gente.

Emboladores de coco,

Que tão rápido faz repente,

O maior é Luiz Gonzaga,

Que tocou e cantou a saga,

Desse Nordeste tão quente.



Os nomes dos nossos filhos

São nomes de tradição,

Vicente, José e Antônio,

Severino e Sebastião,

Josefa, Benedita e Maria,

Joana, Rita, Sofia,

João, Pedro e Damião.



As meninas daqui vestem,

Seus vestidinhos de chita,

Ainda são inocentes,

Nos cabelos amarram fitas.

Os seus trajes são decentes,

Mesmo assim são atraentes,

Sem maldades são bonitas.



Os rapazes ainda vestem

Camisas de volta-mundo,

Seus chapeuzinhos de palha

Sem a maldade do mundo.

Namoram pegando na mão,

Sem nenhuma intenção,

Não avança um segundo.



Meus meninos aqui brincam,

De cavalo de pau e pião,

Burrinca e roba-bandeira,

Quente-frio, pega-ladrão,

Bola de meia e carrapeta,

Esconde-esconde e careta

E se enrolar no chão.



Carro de lata e pula corda,

Bola de gude e amarelinha,

Boca de forno e baleada,

De balanço e de casinha.

Boneca de pano e baliadeira,

Cabra-cega e fogueira,

E de subir no pé de pinha.



Quando chega o inverno

Que a chuva cai no chão,

Eu preparo meu roçado

Com a maior satisfação,

Planto feijão, fava e milho.

O boi quem puxa é meu filho,

Meu lucro vem do algodão.



O nosso divertimento

Na fazenda é caçar,

Tomar banho de açude,

Tomar pinga e pescar,

Andar montado a cavalo,

Pegar boi e amarrá-lo,

Pra amansá-lo e capar.



No mês de Maio rezamos

As noites de 31 dias.

No final queimamos flores

São tantas as alegrias

Encontra-se a comunidade,

É grande a felicidade

Nas noites de luas frias.



Nossa maior alegria

É quando chega o São João,

Quadrilha e muito forró,

Tem fogueira e foguetão,

Pamonha e milho assado,

Canjica e milho cozinhado,

Conhaque, batida e quentão.



Nossa farmácia é o mato

Com rapas, folhas e flores

Fazemos chás e cozimentos,

Nas gripes só lambedores.

Quixaba para pancada,

Cidreira pra barriga inchada,

E boldo para curar dores.



Nossos filhos de manhã,

Pedem a benção a seus pais,

É um respeito tão grande

Existente entre os tais.

Os velhos são respeitados,

Pai e mãe são bem honrados

Filhos e pais vivem bem mais.



- Me diga o que eu faço

Com os cachorros e meus gatos?

As galinhas do terreiro

Que nunca sofrem maus tratos;

As cabras e as ovelhas,

E minhas vacas leiteiras

E os guinés, perus e patos?


Eu vou ter muitas saudades,

Da sombra do juazeiro,

Da baraúna do roçado,

Das varas de marmeleiro,

O meu pé de cajarana

E a sombra da umburana,

E das frutas do facheiro.



Aqui eu escuto e canto:

Do azulão, do juriti

Do meu galo-de-campina,

Canário e bem-te-vi,

Golado, bigode e tizil

Concriz, rouxinol e pifil,

Tudo isso tem aqui.



Por isso meu bom patrão

Queira já me perdoar

Deixe eu ficar por aqui

Lá não vou me acostumar

Já estou alto em idade,

Para morar na cidade,

Quero aqui me enterrar.







             Pádua Gomes Gorrión

                        1ªEd. 08/2005



Esta poema de cordel é dedicado a minha primeira

Professora:Maria do Socorro Gomes,minha tia.







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