Neste folheto que escrevo
Chamo sua atenção
Pra falar de um sertanejo
Que adora seu torrão
Já avançado na idade
Não morava na cidade
Devido à evolução.
Era aquele homem puro
Não conhecia maldade
Só lavrava a terra bruta
Pra sua felicidade
Conhecendo seu limite
Seu patrão faz um convite:
- Vamos morar na cidade!
Disse aquele sertanejo:
- Desculpe meu bom patrão!
Eu nasci nesta fazenda
Só conheço o que é sertão
É fraco meu linguajá
Eu não vou acompanhar
Essa tal evolução.
- Doutor eu vou lhe falar
Eu não sei o que é cd
Não sei o que é telefone
Microondas, DVD
Televisão, batedeira
Rack, sofá, geladeira
Nunca vi nem quero ver.
- Supermercado eu não conheço
Nem panela de pressão
Não sei o que é edifício,
Armário com arrumação;
Nunca fui em um cinema
Não entendo esse esquema
Que não tem no meu Sertão.
Eu nunca fui à escola
Não sei ler nem escrever.
Na cidade é tudo escrito
Não conseguirei viver,
Meu patrão parece insulto,
Pra onde vai esse matuto
Sem saber se defender?
É muita modernidade
Poucas coisas eu conheço,
Eu fui criado na roça
Aqui acolá ia um terço;
O lápis foi minha enxada
A lavoura a tabuada,
Que eu morro e não esqueço.
Doutor eu sei o que é:
Rádio de pilha, vitrola,
Budega, venda, LP
E o som de uma viola,
Panela de barro e quengo,
Com agente não tem dengo,
Nunca neguei uma esmola.
Eu sei o que é pitisqueiro,
Tamborete e cristaleira,
Banca, fogão de lenha,
Chapéu de palha, peneira,
Caco de torrar café
Uma cabana de sapé,
E cesta de fazer feira.
Conheço carro de boi,
Canga, cultivador,
Ancoreta, chapéu de palha,
Prato de barro e socador.
Cuia, abano e cabaço,
Sei pegar boi no laço,
Faço isto com amor.
Eu sei o que é cangalha
E o ferro de engomar,
Enxada e enxadeco,
Chibanca de trabalhar
Sei o que é chincho e pilão,
Lamparina e lampião
Pra noite iluminar.
Eu conheço de terreno,
Vassourinha e oitão,
Rosário, novena e terço
Com o padre Frei Damião
Sei o que é casa de farinha,
Rapa de angico e cabacinha,
Cuscuzeira e caldeirão.
Por aqui ainda existe
Cuia de medir farinha,
A cadeira de balanço,
Chiqueiro de bacorinha
Fumo de rolo e chaleira,
Gaiola e assadeira
E chiqueiro de galinha.
Espeto de assar carne,
Pinhão roxo e pé de pinha,
Cabaça, pote e mochila,
Espingarda, faca e bainha,
Cuia, chocalho e tigela
Colher de pau e gamela,
Balaio, mala e sombrinha.
Eu sei doutor fazer rancho,
E tirar leite de vaca,
Sei amansar touro bravo,
Pegar bode e amolar faca.
Fazer cachimbo e batente,
Tramela e matar serpente,
E pegar mula veaca.
Eu sei o que é banguê
Relógio de algibeira
Tanajura, “sarapaté”
Cortiço, carvoeira.
Debulhar milho e feijão
Sei o que é panha de algodão
Cigarro de palha e fosqueira.
Preguissadeira e bisqui,
Ferro de cova e caçuá
Cama de couro e “deposo”
E pirão de aruá
Som da viola de pinho,
Vereda, estrada e caminho
E corda de caroá.
Doutor eu faço porteira
Faço cerca e boqueirão
Broco mato e encoivaro
Cavo poço e cacimbão
Eu sei fazer carvoeira
Vassoura de palha e peneira,
“Borná”, bisaco e pião.
Ferro de cova, fogareiro,
Grelha, pinico, cambito
Banha de porco e funil,
Sela, canganhote e apito
Pra o caçador chamar inhambu
Chupar mel de capuxu
Em tudo isto eu reflito.
Bredo, limão e castanha,
Ralo e coco catolé
Pedra de fazer biju
Caco de torrar café
O trinchete e a roçadeira,
Colher de pau e chaleira,
E cabaça de coité.
A comida aqui da gente,
É feijão com carne assada,
Fava, angu e pamonha,
Macaxeira e feijoada,
Batata, cuscuz e farinha,
Carne de porco e galinha,
Milho cozido e coalhada.
Aqui podemos comer:
Ovo, rolinha, preá;
Teju, peba, guaru,
Canjica, munguzá,
Farina de milho, pipoca,
Beiju, farofa e tapioca
E ponche de maracujá.
Aqui chupamos cajá,
Manga, jaca, e umbu
Cajarana e graviola,
Mamão, pinha e caju,
Goiaba, lima e banana
Laranja, melão e cana
Do sertão ao Pajeú.
Podemos comer jerimum,
Melancia, meloa,
Cará, melão e maxixe
E uma quiabada boa,
Batata-doce com nata
Ovo de guiné e pata,
Que o Sertão a gente doa.
A música que agente escuta
É o repente e a canção
Não perdemos cantorias
Do Tião Lima com Galvão
Escuto Zé Laurentino.
Com seu poema divino,
Recitando meu Sertão.
As festas que eu conheço
É o forró de latada,
Cantoria, pastoril,
Ciranda, vaquejada,
Argolinha, coco e babal,
Novena, missa e sarau
Batizado e uma tourada.
O meu livro é o folheto
Xilogravado em papel,
Que eu compro lá na feira,
O povo chama cordel,
Ele mostra a trajetória,
Contando fato e a história
De um ponto forte e fiel.
Os heróis da nossa gente,
É Virgulino Lampião
Vitalino e Padre Cícero,
E o padre Frei Damião.
E o Jackson do Pandeiro,
E o Vate Pinto de Monteiro,
E o Gonzaga rei do Baião.
Cantadores de viola
São os artistas da gente.
Emboladores de coco,
Que tão rápido faz repente,
O maior é Luiz Gonzaga,
Que tocou e cantou a saga,
Desse Nordeste tão quente.
Os nomes dos nossos filhos
São nomes de tradição,
Vicente, José e Antônio,
Severino e Sebastião,
Josefa, Benedita e Maria,
Joana, Rita, Sofia,
João, Pedro e Damião.
As meninas daqui vestem,
Seus vestidinhos de chita,
Ainda são inocentes,
Nos cabelos amarram fitas.
Os seus trajes são decentes,
Mesmo assim são atraentes,
Sem maldades são bonitas.
Os rapazes ainda vestem
Camisas de volta-mundo,
Seus chapeuzinhos de palha
Sem a maldade do mundo.
Namoram pegando na mão,
Sem nenhuma intenção,
Não avança um segundo.
Meus meninos aqui brincam,
De cavalo de pau e pião,
Burrinca e roba-bandeira,
Quente-frio, pega-ladrão,
Bola de meia e carrapeta,
Esconde-esconde e careta
E se enrolar no chão.
Carro de lata e pula corda,
Bola de gude e amarelinha,
Boca de forno e baleada,
De balanço e de casinha.
Boneca de pano e baliadeira,
Cabra-cega e fogueira,
E de subir no pé de pinha.
Quando chega o inverno
Que a chuva cai no chão,
Eu preparo meu roçado
Com a maior satisfação,
Planto feijão, fava e milho.
O boi quem puxa é meu filho,
Meu lucro vem do algodão.
O nosso divertimento
Na fazenda é caçar,
Tomar banho de açude,
Tomar pinga e pescar,
Andar montado a cavalo,
Pegar boi e amarrá-lo,
Pra amansá-lo e capar.
No mês de Maio rezamos
As noites de 31 dias.
No final queimamos flores
São tantas as alegrias
Encontra-se a comunidade,
É grande a felicidade
Nas noites de luas frias.
Nossa maior alegria
É quando chega o São João,
Quadrilha e muito forró,
Tem fogueira e foguetão,
Pamonha e milho assado,
Canjica e milho cozinhado,
Conhaque, batida e quentão.
Nossa farmácia é o mato
Com rapas, folhas e flores
Fazemos chás e cozimentos,
Nas gripes só lambedores.
Quixaba para pancada,
Cidreira pra barriga inchada,
E boldo para curar dores.
Nossos filhos de manhã,
Pedem a benção a seus pais,
É um respeito tão grande
Existente entre os tais.
Os velhos são respeitados,
Pai e mãe são bem honrados
Filhos e pais vivem bem mais.
- Me diga o que eu faço
Com os cachorros e meus gatos?
As galinhas do terreiro
Que nunca sofrem maus tratos;
As cabras e as ovelhas,
E minhas vacas leiteiras
E os guinés, perus e patos?
Eu vou ter muitas saudades,
Da sombra do juazeiro,
Da baraúna do roçado,
Das varas de marmeleiro,
O meu pé de cajarana
E a sombra da umburana,
E das frutas do facheiro.
Aqui eu escuto e canto:
Do azulão, do juriti
Do meu galo-de-campina,
Canário e bem-te-vi,
Golado, bigode e tizil
Concriz, rouxinol e pifil,
Tudo isso tem aqui.
Por isso meu bom patrão
Queira já me perdoar
Deixe eu ficar por aqui
Lá não vou me acostumar
Já estou alto em idade,
Para morar na cidade,
Quero aqui me enterrar.
Pádua Gomes Gorrión
1ªEd. 08/2005
Esta
poema de cordel é dedicado a minha primeira
Professora:Maria do Socorro Gomes,minha tia.
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